17 de jul. de 2022

Psicóloga enumera boas práticas e pontos de atenção no enfrentamento da depressão

 A cada dez brasileiros, pelo menos um enfrenta um quadro de depressão. A conclusão é de uma pesquisa conduzida pelo Ministério da Saúde, que apontou a presença da doença em 11,3% da população. O índice representa mais que o dobro da prevalência em relação ao constatado em termos globais, que é de 5%.

“Assim como as causas da depressão são multifatoriais, pensar na incidência dela entre os brasileiros está relacionado a esses múltiplos fatores, tais como a extensão territorial, número de habitantes, políticas públicas mais eficazes no reconhecimento e tratamento do transtorno”, afirma Mírian de Oliveira Primon dos Santos, psicóloga do Sistema Hapvida. Sobre o cenário em Joinville, a psicóloga avalia que houve um aumento significativo de casos diagnosticados, principalmente após a pandemia e nos adolescentes.

Prevalência e sinais de alerta

O estudo apontou maior incidência entre mulheres (14,7%) do que em homens (11,3%). Na opinião da especialista, há questões culturais que dificultam o diagnóstico adequado: “Já ocorreram avanços importantes, mas ainda prevalece o pensamento de que o homem, por ser ‘mais forte e racional’ não sinta os impactos das emoções e acontecimentos vivenciados – o que sabemos ser um engano. Mesmo que as percepções sejam diferentes, não podemos desconsiderar o sofrimento que pode ser provocado”. “Em contrapartida, as mulheres são mais afetadas pela depressão e estão entre as que mais procuram por ajuda. Nesse sentido, as alterações hormonais que ocorrem durante toda sua vida podem favorecer o desequilíbrio hormonal e, por consequência, afetar suas emoções”, acrescenta.

Conforme a pesquisa, os indivíduos de 55 a 64 anos são os que apresentam os índices mais elevados de depressão: 13,2%. Para a psicóloga há um fator importante a ser considerado em relação aos desafios da maturidade: “As mudanças vivenciadas nesse período da vida podem ser sentidas de maneira mais negativa e/ou limitante. Por exemplo, a aposentadoria, limitações físicas, perdas de familiares ou amigos”.

Embora o levantamento sinalize um ponto de atenção com o extrato mais maduro da população, a psicóloga reforça a necessidade de que os pais estejam atentos com a saúde emocional de seus filhos. Conforme Mírian, alguns sinais e sintomas que podem indicar depressão durante a infância incluem falta de vontade para brincar, fazer xixi na cama, queixas frequentes de cansaço, dor de cabeça ou barriga e dificuldades no aprendizado. “Estes sintomas podem passar despercebidos ou ser confundidos com birras ou timidez, porém se permanecerem por mais de duas semanas é aconselhado ir ao pediatra ou ao psiquiatra infantil para fazer uma avaliação do estado da saúde psicológica e verificar a necessidade de iniciar tratamento”, aconselha.

Nos adultos, a psicóloga aponta a necessidade de atenção para alterações no apetite que tenham reflexos no peso, perda da qualidade do sono, baixa autoestima e redução da libido. “A depressão provoca impactos diretos no funcionamento do cérebro, o quadro clínico pode afetar a região do hipocampo, associada à memória, da amígdala, que representa a forma de interpretar e responder aos estímulos, do córtex cerebral, que concentra pensamentos, e do tálamo, estrutura envolvida no processamento dos estímulos externos e sensoriais”, explica.

E como discernir o momento no qual aquela tristeza que faz parte da vida e ocorre naturalmente com os acontecimentos difíceis deixou de ser transitória, passou a ser patológica e é hora de buscar uma ajuda profissional? De acordo com Mírian, a diferença pode ser percebida, principalmente, pela intensidade, duração e causas do quadro. “Saber identificar e distinguir cada uma dessas características pode ser bastante complicado, especialmente quando envolve a perda de um ente querido. Nesses casos, luto, tristeza e depressão podem se embaralhar e, inclusive, é possível que a depressão pós-luto se desenvolva. Por isso, é importante entender o impacto dessa perda para saber como enfrentá-la e entender que tipo de ajuda procurar. O primeiro ponto para entender a diferença entre tristeza e depressão é saber que a primeira se trata de um sentimento relacionado a um motivo e a segunda, de uma doença”, conta.

Os gatilhos

Há casos de depressão nos quais o alívio para o mal estar pode acabar sendo buscado em fontes inadequadas, como por meio do abuso de bebidas alcoólicas e de drogas lícitas. “A maioria dos estudos não vê na depressão profunda um motivador para o consumo de álcool, mas o contrário: o consumo excessivo de álcool pode levar a uma depressão profunda. Isso porque o álcool ‘anestesia os pensamentos” e, muitas vezes, o sujeito o utiliza como uma fuga da sua realidade para não ter de lidar com os problemas reais”, pondera.

Outro consumo que pode ter nuances tóxicas é o de informação. Na avaliação da psicóloga, o uso das redes sociais tem sido associado a problemas como depressão e ansiedade, especialmente em adolescentes: “Quanto mais tempo os adolescentes passam nas redes, maiores são as chances de desenvolver depressão e ansiedade”.

Alívio para o sofrimento

Na avaliação da psicóloga, o tratamento medicamentoso é fundamental para o equilíbrio e regulação hormonal e de componentes químicos do corpo, mas não é completamente eficaz se usado de maneira isolada. “Por meio da psicoterapia é possível reconhecer e lidar melhor com as emoções envolvidas, padrões de pensamentos estabelecidos, enfrentamento de situações e novas percepções sobre a própria história. É o que nomeamos na psicologia de ressignificar situações traumáticas ou de sofrimento ao sujeito”, detalha.

Conforme a especialista, o desencadeamento da depressão está relacionado a diversos e distintos fatores, como genética, transtornos hormonais, episódios de estresse e grande impacto, lutos e perdas. “Com o tratamento adequado, a pessoa consegue sair da crise e voltar a ter uma vida funcional; prevenir futuras crises; e mesmo quando e se essas acontecerem, os sintomas se manifestam com menos intensidade e o tempo para sair delas é menor”, afirma.

Para Mírian, práticas como meditação, técnicas de relaxamento e respiração também podem ser benéficas. “Tais técnicas aliadas ao autoconhecimento favorecem a percepção sobre as emoções e os ajustes necessários em sua rotina, como, por exemplo, ter tempo de lazer de qualidade, a busca de ajuda específica para a resolução de determinados conflitos, e a visão clara sobre seus objetivos e motivações pessoais”, explica.

A profissional relembra a importância da atividade física, por favorecer a liberação do estresse e ansiedade e permitir um tempo específico de autocuidado. Ler, aprender coisas novas, ter hobbies, se divertir e arte-terapia também podem ser aliados no tratamento. “Esses tipos de atividades estimulam a adaptação e flexibilização do pensamento, o planejamento estratégico e a tomada de decisão – áreas muito afetadas nos quadros depressivos, no qual o sujeito tem a tendência de ver as circunstâncias de maneira restritiva e de pouca adaptabilidade”, conta.

Para a psicóloga, comer, além de ser necessário para a sobrevivência, é uma forma de obter prazer. “O consumo de alimentos antidepressivos acelera a produção de serotonina e dopamina, responsáveis por uma sensação de prazer momentânea. Alguns alimentos indicados são as hortaliças verde-escuras (espinafre, brócolis e alface); frutas como laranja, melancia, abacate, mamão, banana e limão; mel; batata-doce, a lentilha, o feijão, o pão integral e o arroz integral; castanha-do-pará; aveia e centeio; peixes e frutos do mar; e soja”, detalha.

Conforme Mírian, manter a higiene pessoal e cultivar relacionamentos sociais favorecem o enfrentamento da depressão, por se tratar de um “transtorno com impactos significativos na esfera biopsicossocial”. “A abordagem mais efetiva não deve levar em conta apenas uma das esferas”, avalia.

O papel da rede de apoio

A especialista ressalta a importância da família e da rede de apoio no cuidado e suporte ao sujeito deprimido, pois “em muitas situações funcionará como estímulo e supervisão aos cuidados mais básicos do sujeito”. Na avaliação da psicóloga, a psicofobia é um dos obstáculos para o enfrentamento da doença. “Manter-se informado sobre a doença e os recursos possíveis contribui para a diminuição do preconceito sofrido pelo sujeito adoecido, possibilita o diálogo mais aberto e ajuda na prevenção e enfrentamento dos sintomas depressivos”, acrescenta.

Para Mírian, há frases que deveriam ser evitadas no convívio com pessoas que enfrentam a doença, como “‘Depressão é frescura’, ‘é falta de ocupação’, ‘você tem tudo, por que está deprimido?’, ‘você não se importa com sua família’, ‘está em tratamento e não melhorou ainda?’ e ‘isso é coisa da sua cabeça’”. “Mesmo que você não saiba o que dizer ou como reagir, se estiver disposto a ouvir com atenção e direcionar a ajuda especializada, já estará contribuindo significativamente com o sujeito”, orienta.

Para ler e ver

A psicóloga compartilha algumas dicas de obras que abordam o tema. Mírian recomenda a leitura do livro “Mentes depressivas: As três dimensões da doença do século”, de Ana Beatriz Barbosa; e os filmes “Pequena Miss Sunshine”; “Ela”; “Foi Apenas um Sonho”; “As Faces de Helen”; “Cake – Uma Razão para Viver”; “As Horas”; e “Se Enlouquecer não se Apaixone”.

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