6 de dez. de 2011

Carajás ostenta prosperidade e violência

Erguidos em bairros modernos, repletos de churrascarias e agências bancárias, os quatro hotéis inaugurados nos últimos anos em Marabá, maior cidade do sudeste paraense, ostentam o vigor econômico da região, cuja ambição de se separar do Pará será posta à prova em plebiscito no próximo dia 11.
Região abriga três das dez cidades mais violentas do país
Mas as fachadas envidraçadas que impressionam visitantes também escondem um lado sombrio da região que almeja se tornar o Estado dos Carajás: em cada um dos hotéis, seguranças circulam pelos saguões com pistolas na cintura, atentos a qualquer ameaça.
Estimulada a partir dos anos 1960 por obras em estradas federais e a mineração, a ocupação acelerada da região sudeste do Pará teve como efeito colateral a explosão dos índices de violência locais.
Caso se torne um Estado, Carajás teria o maior índice de homicídios dolosos do Brasil: 68,1 para cada 100 mil habitantes. Hoje, o ranking de homicídios é liderado por Alagoas, com 66 casos por 100 mil moradores.
A região abrigaria ainda três das dez cidades mais violentas do país: Marabá, Itupiranga e Goianésia do Pará.
A separação de Carajás, bem como da região oeste do Estado (que daria origem a Tapajós), será votada em plebiscito em todo o Pará no próximo dia 11.
Ausência de Estado - Para os partidários da separação, os altos índices de homicídios mostram que o governo paraense, sediado em Belém (a 485 km de Marabá), não tem condições de gerir apropriadamente todo o seu território.
"A violência é um sintoma da ausência do Estado", diz à BBC Brasil o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT), líder da frente pela emancipação de Carajás; segundo ele, a separação garantiria à região mais recursos para a segurança pública.
Embora lamentem a fama que o sudeste paraense ganhou pela violência – e que rendeu à sua principal cidade o apelido de "Marabala" –, moradores locais preferem defender a separação com base nas peculiaridades da região e de seu potencial econômico.
O sudeste paraense concentra as maiores riquezas minerais do Estado, que, exploradas pela Vale, são responsáveis por 80% das exportações do Pará. Dentre elas, destaca-se o Projeto Grande Carajás, a maior jazida de minério de ferro do mundo; no entanto, moradores e políticos locais afirmam que a região não tira o devido proveito dessas riquezas, e que a separação aumentaria o controle sobre a mineração.
Por outro lado, críticos da emancipação de Carajás afirmam que, caso ela ocorra, o poder econômico que a Vale exerce na região a transformaria em uma espécie de governo paralelo, desequilibrando o setor público. Procurada, a Vale não quis comentar qualquer assunto referente ao plebiscito no Pará.
Migrantes - Além de concentrar vastas riquezas naturais, o território que abrigaria Carajás se diferencia das demais regiões do Estado pelo perfil de sua população.
Ao contrário do norte e do oeste do Pará, o sudeste abriga em sua maioria moradores nascidos em outros Estados, especialmente o Maranhão. Grande parte mudou-se para a região a partir dos anos 1960 para trabalhar na construção das rodovias Belém-Brasília e Transamazônica.
Nas décadas seguintes, novas levas de migrantes chegaram com a descoberta de ouro em Serra Pelada e o início do Projeto Grande Carajás.
A acelerada ocupação, acompanhada pela destruição de vastas áreas de floresta e da expansão agropecuária, deu às principais áreas urbanas da região feição mais moderna e próspera do que a das cidades no norte e oeste do Pará, fundadas a partir do século 17 em antigas rotas fluviais.
Além disso, muitas tradições do norte paraense, como o consumo de açaí e o predomínio de peixes na alimentação, foram diluídas no sudeste do Estado, onde se consome muita carne e as feiras oferecem ingredientes comuns ao Centro-Oeste brasileiro, como os frutos do pequi.
Região abriga três das dez cidades mais violentas do país
Forasteiros - A preponderância de migrantes nos Carajás tem sido usada pela campanha contrária à separação. Adesivos em carros e mensagens ecoadas por carros de som em Belém dizem: "Não vamos deixar esses forasteiros levarem todas as nossas riquezas".
"A violência é um sintoma da ausência do Estado", afirma Giovanni Queiroz .
Mas moradores dos Carajás recusam a alcunha. "Forasteiro, que eu sei, é quem vem de fora, fica no máximo três meses, não produz nada e vai embora", afirma a comerciante Bachira Barakad, 45 anos.
"Mas os forasteiros que nos acusam de ser estão aqui há 30, 40, 50 anos. São casados, têm filhos e netos em Marabá e ainda são considerados forasteiros?"
Nascida em Foz do Iguaçu (PR), ela se mudou com o marido para Marabá em 1983, para vender roupas aos mineradores que então chegavam aos montes. Teve filhos e netos na cidade e hoje é dona de uma lanchonete em sua rua mais valorizada, na orla do rio Tocantins.
Barakad diz ser favorável à criação do Estado de Carajás porque, segundo ela, o governo em Belém não tem condições sequer de gerir a região no seu entorno.
Pessoas a favor da divisão
"O que Belém fez pelo seu desenvolvimento até hoje? Nada, e não quer que o resto do Pará faça".
Filão de ouro
Morador de Marabá desde 1988, o paulista Donizete Coelho, 56 anos, concorda e exalta o potencial econômico da região.
Pessoas a favor da divisão afirmam que governo não consegue gerir região (Foto: João Fellet/BBC)
"Aqui é uma terra ótima, um filão de ouro para quem quer trabalhar", diz. "Separando ou não, essa região deslancha."
Coelho chegou a Marabá com o pai e cinco irmãos. Trabalhou na mineração e montou uma fazenda com a família. Segundo ele, a propriedade era tão lucrativa que até atraiu a atenção de autoridades, receosas de que a família estivesse envolvida em ilegalidades.
Hoje, dissipadas as suspeitas, diz ter construído um patrimônio milionário, sobretudo com investimentos no mercado imobiliário e em um açougue. E não pretende voltar a São Paulo.
"Esta é a minha terra de coração. Só saio daqui morto ou se for da vontade de Deus".
(João Fellet, enviado especial da BBC Brasil ao Pará)

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